quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Violência, não!

Não, não é cansaço... É uma quantidade de desilusão
Álvaro de Campos

Uma luz forte o cegava e o frio daquela sala branca o fazia tremer. O lugar era bem diferente de onde estivera minutos antes. No útero, era aquecido e confortável, não sentia fome, estava protegido de luzes fortes, e embalado pelo som constante do coração da mãe. Mas teve que nascer. Foi a primeira provocação. Nem aprendera a falar ou caminhar e foi separado da mãe. Era o fim de uma tal de licença maternidade. Não entendia bem o que isto significava. Só sabia que precisava passar o dia inteiro com pessoas que nunca havia visto nos seus quatro meses de vida. Choramingou, mas não passou disto. Afinal, não era de se queixar.

Anos depois, na escola, as provocações viraram rotina. Resistiu a todas. A professora que o chamava de burro quando gaguejava na leitura o abalou. Sim, o abalou. Mas não o fez desistir. Afinal, ele era duro. Aguentava tudo calado. Os apelidos na escola, o ranço do pai, o namorado da irmã também passaram sem que pestanejasse.

Aos 17 anos, fruto da escola pública, queria cursar Jornalismo em uma universidade pública. Não conseguiu. Entrou em uma privada. Precisava de um emprego. Arrumou um subemprego. Precisava de auxílio para pagar a faculdade. Conseguiu um financiamento que segue até hoje. Passou anos ouvindo falar em possibilidades, em como seria uma vida feliz. Queriam-no casado, fútil, cotidiano e tributável? Queriam-no o contrário disto, o contrário de qualquer coisa? Talvez, se fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade, pensou. E assim foi.

Arrumou um emprego. Encontrou uma mulher. Vieram de arrasto o projeto da casa própria, o aluguel, mais contas e as dívidas. Vieram aspirações, obrigações, frustrações, culpa e desilusão. Vieram pessoas com excesso de vaidade, poder em demasia, dissimulação, verdades pré-fabricadas, mentiras e intolerância.

Para completar, ouvira na televisão que aquela dívida que tinha no banco não servira para nada. “Antes tivesse investido na poupança do que no diploma”, falou consigo. O descontentamento diante de tantas provocações lhe saltava na cara. Vieram até ele e lhe disseram que tudo ia se arrumar. “Deus lhe ama”, outro gritou. Já ouvira coisas do tipo, mas desta vez estava disposto a acreditar. Estava disposto a tudo, menos a agüentar mais provocações. Mas esta era a rotina de sua vida.

Na milésima provocação, levantou da cadeira, alterou a voz e, com o dedo em riste, avisou:

“Pra mim chega.”

E ouviu espantado, cochichos, pessoas horrorizadas com a atitude dele. Elas diziam:

“Violência, não!”

*Baseado e com trechos do texto Provocações, de Luiz Fernando Veríssimo, e do poema Lisbon Revisited, de Álvaro de Campos.

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