sábado, 31 de outubro de 2009

Essas Coisas

"Você não está mais na idade
de sofrer por essas coisas."

Há então a idade de sofrer
e a de não sofrer mais
por essas, essas coisas?

As coisas só deviam acontecer
para fazer sofrer
na idade própria de sofrer?

Ou não se devia sofrer
pelas coisas que causam sofrimento
pois vieram fora de hora, e a hora é calma?

E se não estou mais na idade de sofrer
é porque estou morto, e morto
é a idade de não sentir as coisas, essas coisas?

Carlos Drummond de Andrade, in 'As Impurezas do Branco'

Cartola - Peito Vazio

Entre aspas

"A vida é cheia de obrigações que a gente cumpre por mais vontade que tenha de as infringir deslavadamente."

Machado de Assis, in "Dom Casmurro"

Vinícius de Moraes - Soneto de Separação

Jornais e Jornalistas

Os jornais são o ponteiro dos segundos no relógio da história. Na maioria das vezes, porém, além de ser fabricado com metais menos nobres do que o dos outros dois ponteiros, raramente funciona de modo correcto.
Uma grande quantidade de maus escritores vive unicamente da estultice do público, que só quer ler o que foi impresso no mesmo dia: os jornalistas. A sua designação vem mesmo a calhar, no entanto deveriam chamar-se 'diaristas'. O exagero de toda a espécie é para eles tão essencial quanto para a arte dramática: com efeito, trata-se de extrair o máximo possível de todo o incidente. Devido à profissão, todos os jornalistas são também alarmistas: este é o seu modo de se tornarem interessantes. No entanto, mediante tal expediente acabam por se igualar aos cãezinhos que, tão logo percebem algum movimento, põem-se a latir fortemente. Sendo assim, é preciso dar aos seus sinais de alerta apenas a atenção necessária para não prejudicar a própria digestão.

Arthur Schopenhauer, in 'A Arte de Insultar'

Bethania - Lama

Onde Está a Sinceridade?

Entre as recordações que cada um de nós guarda, algumas há que só contamos aos amigos. Há ainda outras que nem sequer aos amigos confessamos, que só a nós próprios dizemos e, mesmo assim, no máximo segredo. Finalmente, há coisas que o homem nem sequer se permite confessar a si mesmo. Ao longo da existência, toda a pessoa honesta acumulou não poucas destas recordações. Diria mesmo que a quantidade é tanto maior quanto mais honesto o homem. Eu, em todo o caso, não foi há muito que me decidi a recordar algumas das minhas antigas aventuras; até agora evitava fazê-lo, aliás com um certo desassossego. Porém agora, quando as evoco e desejo mesmo anotá-las, agora vou tirar a prova: será possível sermos francos e sinceros, pelo menos com nós próprios, e dizermo-nos toda a verdade?

Fiodor Dostoievski, in 'Cadernos do Subterrâneo'

domingo, 25 de outubro de 2009

Poema do Menino Jesus - Fernando Pessoa



Voz - Bethania

Os Verdadeiros Burros e os Falsos Loucos

O mais esperto dos homens é aquele que, pelo menos no meu parecer, espontâneamente, uma vez por mês, no mínimo, se chama a si mesmo asno..., coisa que hoje em dia constitui uma raridade inaudita. Outrora dizia-se do burro, pelo menos uma vez por ano, que ele o era, de facto; mas hoje... nada disso. E a tal ponto tudo hoje está mudado que, valha-me Deus!, não há maneira certa de distinguirmos o homem de talento do imbecil. Coisa que, naturalmente, obedece a um propósito.

Acabo de me lembrar, a propósito, de uma anedota espanhola. Coisa de dois séculos e meio passados dizia-se em Espanha, quando os Franceses construíram o primeiro manicómio: «Fecharam num lugar à parte todos os seus doidos para nos fazerem acreditar que têm juízo». Os Espanhóis têm razão: quando fechamos os outros num manicómio, pretendemos demonstrar que estamos em nosso perfeito juízo. «X endoideceu...; portanto nós temos o nosso juízo no seu lugar». Não; há tempos já que a conclusão não é lícita.

Fiodor Dostoievski, in "Diário de um Escritor"

UMA lâmpada incomoda muita gente

“Vai na Neca buscar um botão pra camisa!”

“Vai no Jorge pegar sal grosso!”

Apesar da expansão dos mega, hiper e supermercados, lojas de departamentos e monstrengos do tipo, quando meus pais precisam de qualquer coisa pra ontem, recorrem aos botecos vizinhos da minha casa. Nestes empreendimentos familiares, a praticidade é palavra de ordem. Eu entrego o dinheiro, o dono me entrega o produto. Vez que outra nem precisa de dinheiro. É só anotar no caderninho.

Mas dias destes tive de enfrentar a burocracia de uma destas famigeradas lojas de departamento. Na dita cuja funciona um caixa eletrônico. Fui pagar uma conta no caixa e resolvi comprar UMA lâmpada que estava em promoção. Falei para minha mulher que era coisa rápida. “Só vou comprar UMA lâmpada.” Triste engano.

Estava na fila com minha UMA lâmpada, e chega um guri espinhento querendo mostrar serviço. “Pode deixar que eu tiro a nota pra ti”, disse ele. Eu fiquei faceiro, pensando que o prestativo guri espinhento iria agilizar a compra. Triste engano.

Após ficar alguns minutos preenchendo um formulário eletrônico no computador, o guri espinhento encaminhou minha UMA lâmpada para outro ponto da loja. “Tem que retirar ali”, apontou ele. Eu, que estava na fila do caixa, fui para a fila que o guri espinhento me indicou. “Agora vai”, pensei. Triste engano.

Ao chegar na fila me deparei com um casal que minutos antes comprara metade do material de construção da loja. Emite nota, confere nota, refaz as contas, e lá se foram dez minutos. Chegada a minha vez, ufa, a senhora responsável pelo setor de notas pergunta:

- Pra ti?
- Eu quero comprar UMA lâmpada.
- Já pagou no caixa?
- Não, ele (o guri espinhento) me mandou pra cá, falei já impaciente.
- Eu só quero UMA lâmpada, implorei.

Comovida com meu desespero, a senhora responsável pelo setor das notas me poupou de ir ao caixa. Entreguei os R$ 6 para ela, que foi até a senhora responsável pelo caixa, entregou meu dinheiro, pegou meu troco e NÃO ENTREGOU MINHA LÂMPADA.

- Ué!? Cadê a minha UMA lâmpada?
- Tem que pegar com ele, apontou para o guri espinhento.

É por isso que não suporto loja de departamentos.

Por Ermilo Drews

domingo, 11 de outubro de 2009

Filosofia de boteco

"O que há de comum entre um bolo queimado, cerveja estourada e mulher grávida??? Nada, mas se você tivesse tirado antes, nada disso teria acontecido..."

Zig Zag Zig Zag HoHoHo

O trabalho judia do cristão. Taí o motivo do meu abandono temporário do blog. Mas em época de Oktoberfest não poderia deixar de resgatar uma historiazinha de alemão.

Pouca gente sabe, mas já fui um Fritz. Dancei por alguns anos em um grupo folclórico alemão. O traje você já deve ter visto em algum kerb da vida – calça de veludo curta, meião, suspensório e camisa branca de garçom de casamento, ah, tem o chapéu também. Bem, naquela época usar este traje era uma boa desculpa para entrar em bailes de graça e tomar cerveja.

Em uma das danças havia uma coreografia bem doida. Quatro fritz, entre eles este vivente, tinham que ir ao centro do salão, dois deles seguravam a nuca um do outro, formando uma base, e os outros dois faziam o papel de hélices. Os fritz da base começavam a girar e as hélices literalmente voavam – nos ensaios, não foi nem uma nem duas vezes que as hélices pararam sobre cadeiras, mesas... Bem, eu era uma das hélices.

Só que no meu caso havia um agravante nesta atacadisse toda. Sou míope, mas naquela época não usava lente, só um óculos de garrafa. Dançava com o famigerado óculos – que horror – e na hora da hélice deixava o equipamento com minha frida, e ía cumprir meu papel de boa hélice, já que não havia a menor possibilidade do meu óculos sobreviver naquela série acrobática.

Em um dia de verão, daqueles do sujeito suar em baixo de uma figueira, o grupo de danças folclóricas alemãs tinha apresentação no interior de Cachoeira do Sul. Salão lotado de gente e lá fomos nós. Dança vai, dança vem e chega a hora de assumir meu papel de hélice. Roda, roda, roda, roda... Na hora de descer fiquei mais perdido do que surdo em bingo. Além de a labirintite ter atacado, a miopia parece que aflorou ainda mais e eu não sabia onde estava minha frida. Como ela tinha uma juba cabelos encaracolados, enxerguei uma cabeleira e me toquei. Mas ao chegar mais perto, percebi que a tal frida era par da outra hélice. Sim, para meu constrangimento e diversão geral das pessoas, errei de mulher. E isso que nem havia bebido. Viram o que o clima de Oktober é capaz de fazer com o sujeito.

Por Ermilo Drews

sábado, 3 de outubro de 2009

Escrever é Triste

Escrever é triste. Impede a conjugação de tantos outros verbos. Os dedos sobre o teclado, as letras se reunindo com maior ou menor velocidade, mas com igual indiferença pelo que vão dizendo, enquanto lá fora a vida estoura não só em bombas como também em dádivas de toda natureza, inclusive a simples claridade da hora, vedada a você, que está de olho na maquininha. O mundo deixa de ser realidade quente para se reduzir a marginália, puré de palavras, reflexos no espelho (infiel) do dicionário. O que você perde em viver, escrevinhando sobre a vida. Não apenas o sol, mas tudo que ele ilumina. Tudo que se faz sem você, porque com você não é possível contar. Você esperando que os outros vivam, para depois comentá-los com a maior cara-de-pau ("com isenção de largo espectro", como diria a bula, se seus escritos fossem produtos medicinais). Selecionando os retalhos de vida dos outros, para objeto de sua divagação descompromissada. Sereno. Superior. Divino. Sim, como se fosse deus, rei proprietário do universo, que escolhe para o seu jantar de notícias um terremoto, uma revolução, um adultério grego — às vezes nem isso, porque no painel imenso você escolhe só um besouro em campanha para verrumar a madeira. Sim, senhor, que importância a sua: sentado aí, camisa aberta, sandálias, ar condicionado, cafezinho, dando sua opinião sobre a angústia, a revolta, o ridículo, a maluquice dos homens. Esquecido de que é um deles.

Ah, você participa com palavras? Sua escrita — por hipótese — transforma a cara das coisas, há capítulos da História devidos à sua maneira de ajuntar substantivos, adjetivos, verbos? Mas foram os outros, crédulos, sugestionáveis, que fizeram o acontecimento. Isso de escrever «O Capital» é uma coisa, derrubar as estruturas, na raça, é outra. E nem sequer você escreveu «O Capital». Não é todos os dias que se mete uma ideia na cabeça do próximo, por via gramatical. E a regra situa no mesmo saco escrever e abster-se. Vazio, antes e depois da operação.

Claro, você aprovou as valentes ações dos outros, sem se dar ao incómodo de praticá-las. Desaprovou as ações nefandas, e dispensou-se de corrigir-lhes os efeitos. Assim é fácil manter a consciência limpa. Eu queria ver sua consciência faiscando de limpeza é na ação, que costuma sujar os dedos e mais alguma coisa. Ao passo que, em sua protegida pessoa, eles apenas se tisnam quando é hora de mudar a fita no carretel.

E então vem o tédio. De Senhor dos Assuntos, passar a espectador enfastiado do espetáculo. Tantos fatos simultâneos e entrechocantes, o absurdo promovido a regra de jogo, excesso de vibração, dificuldade em abranger a cena com o simples pai de olhos e uma fatigada atenção. Tudo se repete na linha do imprevisto, pois ao imprevisto sucede outro, num mecanismo de monotonia... explosiva. Na hora ingrata de escrever, como optar entre as variedades de insólito? E que dizer, que não seja invalidado pelo acontecimento de logo mais, ou de agora mesmo? Que sentir ou ruminar, se não nos concedem tempo para isto entre dois acontecimentos que desabam como meteoritos sobre a mesa? Nem sequer você pode lamentar-se pela incomodidade profissional. Não é redator de boletim político, não é comentarista internacional, colunista especializado, não precisa esgotar os temas, ver mais longe do que o comum, manter-se afiado como a boa peixeira pernambucana. Você é o marginal ameno, sem responsabilidade na instrução ou orientação do público, não há razão para aborrecer-se com os fatos e a leve obrigação de confeitá-los ou temperá-los à sua maneira. Que é isso, rapaz. Entretanto, aí está você, casmurro e indisposto para a tarefa de encher o papel de sinaizinhos pretos. Concluiu que não há assunto, quer dizer: que não há para você, porque ao assunto deve corresponder certo número de sinaizinhos, e você não sabe ir além disso, não corta de verdade a barriga da vida, não revolve os intestinos da vida, fica em sua cadeira, assuntando, assuntando...

Carlos Drummond de Andrade, in 'O Poder Ultrajovem'

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Parabéns pra você...

Já que meu atual e único leitor mais assíduo reclamou da escassez de posts na última semana, resolvi retomar as bobagens. E o que pra mim é cada vez mais bobo é comemorar aniversário. Para começar, compactuo com a teoria do Charles Chaplin que questionou o script da vida. Também acho que deveríamos nascer mortos, passar pela velhice e terminar nossa existência com sabedoria de monges velhos, corpos cheios de energia, num tremendo orgasmo. Mas se não podemos modificar os desígnios do Criador pelo menos podemos não comemorar nosso próprio aniversário.

Eu, por exemplo, fiz 27 anos na última segunda-feira. Aniversário, com toda aquela paparicação de felicidades, saúde, paz e amor, já acho um saco. Estou acostumado a ser mal tratado. Mas aniversário e começo de semana, juntos, então é um saco ao quadrado. Para começar sempre tem alguém que liga no começo da manhã, quando não de madrugada, para te acordar. Meio-dia então é um rosário de felicitações, o sujeito nem consegue comer em paz. E na firma! Sempre tem um colega mala insistindo para o aniversariante abrir a carteira e bancar um bolo com refri, uns salgadinhos, coisa e tal. Ah, e sempre tem um sujeito que fica ameaçando puxar os parabéns. Tem que ter, o contrário não seria aniversário.

Mas para completar a minha segunda-feira premiada corri o dia todo atrás de notícias da enchente que atingiu minha região. O ponteiro do relógio apontou 18h quando recebi a primeira ligação da minha senhora.

- Tu “vem” que horas? O que tu “quer” comer?
- Vai demorar um pouco. To correndo atrás da história da enchente. Não quero nada de especial.
- Tem certeza que não quer sair pra jantar?
- Tenho – por que o estômago da gente precisa ficar requintado no aniversário?
- Não demora!
- Já disse que vai levar um tempinho.

Passada 1 hora.

- Tu não vai vir? É teu aniversário!
- To trabalhando, porra!

Quando cheguei em casa, o que vocês acham que aconteceu? Um parabéns para quem disse discussão. Tudo por causa do famigerado aniversário.

Ah, e por falar em aniversário, felicidades, saúde, paz e amor para minha irmã, que sopra as 29 velinhas hoje.

Por Ermilo Drews

Mão grande no Enem

Na terra onde se cria um título eleitoral verdadeiro com um nome falso não é de se estranhar que um exemplar da prova que reuniria 4,1 milhões de candidatos fosse furtado. Foi isso mesmo que aconteceu com a prova do Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem. A prova que seria aplicada neste final de semana foi adiada e deve ser realizada nos próximos 45 dias, isso se não meterem a mão na nova prova.