terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Necrológio dos Desiludidos do Amor

Os desiludidos do amor estão desfechando tiros no peito. Do meu quarto ouço a fuzilaria. As amadas torcem-se de gozo. Oh quanta matéria para os jornais.

Desiludidos mas fotografados, escreveram cartas explicativas, tomaram todas as providências para o remorso das amadas.
Pum pum pum adeus, enjoada. Eu vou, tu ficas, mas nos veremos seja no claro céu ou turvo inferno.

Os médicos estão fazendo a autópsia dos desiludidos que se mataram. Que grandes corações eles possuíam. Vísceras imensas, tripas sentimentais e um estômago cheio de poesia...
Agora vamos para o cemitério levar os corpos dos desiludidos encaixotados competentemente (paixões de primeira e de segunda classe).

Os desiludidos seguem iludidos, sem coração, sem tripas, sem amor. Única fortuna, os seus dentes de ouro não servirão de lastro financeiro e cobertos de terra perderão o brilho enquanto as amadas dançarão um samba bravo, violento, sobre a tumba deles.

Carlos Drummond de Andrade, in 'Brejo das Almas'

Dois Rumos

Mentir, eis o problema:
minto de vez em quando
ou sempre, por sistema?

Se mentir todo dia,
erguerei um castelo
em alta serrania

contra toda escalada,
e mais ninguém no mundo
me atira seta ervada?

Livre estarei, e dentro
de mim outra verdade
rebrilhará no centro?

Ou mentirei apenas
no varejo da vida,
sem alívio de penas,

sem suporte e armadura
ante o império dos grandes,
frágil, frágil criatura?

Pensarei ainda nisto.
Por enquanto não sei
se me exponho ou resisto,

se componho um casulo
e nele me agasalho,
tornando o resto nulo,

ou adiro à suposta
verdade contingente
que, de verdade, mente.

Carlos Drummond de Andrade, in 'Boitempo'

sábado, 5 de dezembro de 2009

Here comes the sun

One Love

Stand By Me

Jogamos para vencer

O cunhado do meu irmão é um gurizinho de uns oito, nove anos, franzino como costumam ser os gurizinhos desta idade. Pois bem, como a maioria dos piazinhos ele gosta de jogar bola. E meu irmão e eu, como pessoas do bem, vez que outra fazemos a alegria do guri. Mas infelizmente para o cunhadinho franzino do meu irmão, tenho um hábito que por vezes me causa constrangimentos: sou muito competitivo. Assim, não foi nem uma nem duas vezes que gurizinho saiu chorando do jogo porque não o deixava fazer um gol ou porque dei uma chegada mais forte.

Acho que este meu excesso de competitividade vem desde a infância, quando meu pai me ensinou a jogar canastra. Muito mais do que os macetes do jogo em si, aprendi que a gente nunca entrega uma partida. Logo, o ensinamento do meu pai se voltou contra ele. Você lembra do Street Fighter, o videogame que rodava no MegaDriver? Bem, quanto tinha meus 12, 13 anos este jogo bombava. Meu pai começou a gostar do tal joguinho, mas o problema é que não tinha jeito dele me vencer. Eu bem que podia fazer a alegria do meu velho e deixá-lo ganhar uma que outra luta – afinal o videogame foi presente dele. Mas eu sempre jogava para vencer. O resultado é que meu competitivo pai “confiscou” o videogame por uma semana para fazer um treinamento intensivo.

Bem, vocês viram que a gana de vencer é de família. Mas obviamente que isto traz constrangimentos. Um exemplo foi a vez que disputei uma partida de futebol contra meu sogro, que joga muito menos do que este asmático que vos fala. Por ser um perna de pau, meu querido sogro foi pro gol, e o bombardeio começou. Ao final, tive que ouvir as ponderações dos amigos dele, em tom de reprovação. “Podia ter aliviado.”

Muito mais do que um ímpeto de guri novo, acho que ser competitivo é um traço fundamental no caráter do sujeito. Sem gana, sem vontade de vencer, a vida perde o sentido. Lógico que derrotas fazem parte do dia a dia de qualquer um. O que não pode é entregar os pontos. Assim, não concebo a ideia de alguém entrar em uma disputa sem intenção de vencer. Pior ainda se a intenção for de perder. Isto não seria apenas falta de visão ou apatia, seria mau caratismo, leviandade. Por isso, mesmo secando o Internacional, eu torço a plenos pulmões por uma vitória do Grêmio contra o Flamengo.

Por Ermilo Drews